Pulo da pedra...de ponta!
Quando se tem 16 anos e se estuda no turno da manhã as tardes podem ser tediosas, ou não. Vitória, Espírito Santo, oferece ao jovem selvagem a praia como principal passatempo e diversão. Mas é preciso algo mais que mergulhar no mar ou “pegar jacaré”.
Há um lugar famoso em uma das praias dali, ideal para a
prática de “pulo de pedra” (também tinha “pulo de ponte”). As Andorinhas
são duas pedras altas e pontudas, a uns 100 metros da praia, e na época eram um
playground para os moleques que queriam testar seus poderes, disputar com os
amigos ou simplesmente se divertir. Tinha espaço nas pedras para quem quisesse
o pulo pequeno, o médio ou o grande, esse último de uns 8 a 10 metros de altura,
dependendo da maré. Já vi muita gente subir até o último pulo e descer para os
mais baixos.
Um dos parceiros costumeiros das idas às Andorinhas
era o Cristiano, o amigo que mais se aproximou de ser um metaleiro de verdade
(o resto tentou, mas as mães chegavam junto para tentar barrar a rebeldia: a
minha jogava fora as blusas cortadas do Iron Maiden e do Metallica...quanta
raiva!). Cristiano não, chutou o balde, lutava muito para manter a cabeleira de
responsa, usava um coturno podrão, até nos dias mais quentes, encheu o quarto
de pôsteres das bandas, tinha as blusas mais rasgadas. Só tinha uma vaidade: o
desodorante spray de uma marca verde com cheiro de espuma de barbear (esse tema
talvez fosse um dos únicos que ele evitava falar, afinal sua subaca tinha mesmo um cheiro potente,
embora ninguém desafiasse dizer).
Pois bem, para as tarde entediantes buscávamos aventuras,
incluindo os pulos de pedra. Lá fomos nós, de bicicleta, até as Andorinhas.
Bikes amarradas na praia, blusas e chaves enrolados e escondidos em algum
buraco das pedras. Um nado de 100 metros até o playground natural de granito e já
o primeiro desafio: escalar as Andorinhas!
Como nós, outros garotos estavam ali para se divertir. Aliás
ali era um território neutro, longe da segregação provocada pelo nosso bairro de
classe média, e onde encontrávamos a galera da periferia. O jeito safo deles contrastava com o jeito
inseguro dos ‘filhos de mamãe’: eles dominavam a arte de escalar e pular.
Feita a escalada, no meio do caminho você podia escolher. O
pulo pequeno ou médio, dos medrosos e fracotes, obviamente, ou o pulo grande,
dos “fodas”. Pulo grande, óbvio, afinal podia ser motivo de chacota ali, ou na
escola, no dia seguinte.
Preparação para o pulo não deve haver. Como dizia um
professor de física do ensino médio: “se pensar muito, você erra”. Era chegar e
se jogar.
Alguns pulos de pé e lá pelas tantas o desafio estava posto:
se jogar do pulo grande de ponta cabeça! Ali, diante daquela altura, eu não
escutei o Prof. de física. Pensei, pensei, medi, calculei. Cristiano já estava
lá embaixo, chamando pra ir embora e zoando minha insegurança. Outros moleques
esperavam na fila. Eu tinha que pular, e de cabeça! Fui...
Tamanha altura se esgota em segundos. Pro meu azar não fiz o
macete clássico de quem pula de ponta: proteger o impacto da cabeça com as mãos
entrecruzadas para evitar o choque. Mergulhei de cocuruto na lâmina d´água, que
mais parecia um concreto.
E ali gastei mais uma vida. Ao subir a superfície vi que
algo estranho tinha acontecido. Respirava, mas parecia que era “só isso”. Não
conseguia mexer meu corpo como minha mente gostaria. Estava paralisado.
Esperei. Aí, aos poucos, senti a força voltar ao corpo. Talvez o coração tenha reestabelecido todas as conexões, pois ainda precisava viver e aprender algumas coisas. Talvez Iemanjá tenha atuado para refazer ligações metafísicacorporais subitamente perdidas.
O fato é que voltei a nadar. Nadei rápido como nunca
antes. E gritei. Talvez meu maior grito depois do grito do parto.
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