quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O dia em que minha amiga morreu

No dia em que minha amiga morreu eu nunca vi surgir tanta gente assim, do nada. 

Minha amiga não tinha muito, era uma trabalhadora, doméstica, que carregou a vida nos ombros. Eu pude conviver bastante com ela. Ela me contava dos parentes e amigos, que ligou pra fulano, que falou com ciclano, que “não sei quem” ajudou ela a consertar algo, que “outro não sei quem” ia dar uma carona pra ela. 

Mas no dia que amiga morreu, nunca imaginei que tanta gente apareceria. Antes de sua passagem, ela ficou uns três dias internada. Suas últimas palavras foram: “por favor, alguém toma conta da minha neta, ela está saindo da escola”. 

Nesse dia, começaram a aparecer essas pessoas, do nada. Na recepção do hospital, uma fila para ela. Uma fila para dar o adeus a um corpo que se sustentava pelas máquinas. Mesmo assim, não faltou gente para revezar e estar sempre ali, numa espécie de vigília. Parecia que eu estava em outro plano, num trabalho espiritual, em que começam a chegar almas e mais almas. 

No dia que minha amiga morreu mesmo, o cemitério estava igualmente cheio. Meu coração partiu ao ver suas irmãs e parentes, de perto e de longínquos cantos, chorando. A gente não imagina o que a distância faz a um coração. Forte mesmo foi ouvir o canto de um de seus parentes. Junto a sua esposa e filha cantaram tão forte que uma energia misteriosa circulou naquela sala, irradiando e trazendo um conforto que pude perceber pelo cessar dos soluços. Mistérios do divino. 

A maior dor pra mim, no entanto, foi quando sua neta e seu afilhado viram o caixão descer para o fundo da terra. Acho que só ali perceberam do que se tratava a morte. Seus choros, os mais altos naquele momento, me fizeram desabar. 

No dia que minha amiga morreu, eu pude entender um pouco mais do conceito de resistência ou re-existência, em que, talvez, o “não-ter” muito (em excesso, sobrando) gera a formação de uma rede humana em que se pode “contar com” nos momentos difíceis, numa rede de conexões muito maior que as aparências.

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