Minha amiga não tinha muito, era uma trabalhadora, doméstica, que carregou a
vida nos ombros. Eu pude conviver bastante com ela. Ela me contava dos parentes
e amigos, que ligou pra fulano, que falou com ciclano, que “não sei quem” ajudou
ela a consertar algo, que “outro não sei quem” ia dar uma carona pra ela.
Mas no dia que amiga morreu, nunca imaginei que tanta gente apareceria. Antes de sua
passagem, ela ficou uns três dias internada. Suas últimas palavras foram: “por
favor, alguém toma conta da minha neta, ela está saindo da escola”.
Nesse dia, começaram a aparecer essas pessoas, do nada. Na recepção do hospital, uma fila
para ela. Uma fila para dar o adeus a um corpo que se sustentava pelas máquinas.
Mesmo assim, não faltou gente para revezar e estar sempre ali, numa espécie de
vigília. Parecia que eu estava em outro plano, num trabalho espiritual, em que
começam a chegar almas e mais almas.
No dia que minha amiga morreu mesmo, o cemitério estava igualmente cheio.
Meu coração partiu ao ver suas irmãs e parentes, de perto e de longínquos cantos, chorando.
A gente não imagina o que a distância faz a um coração. Forte mesmo foi ouvir
o canto de um de seus parentes. Junto a sua esposa e filha cantaram
tão forte que uma energia misteriosa circulou naquela sala, irradiando e trazendo
um conforto que pude perceber pelo cessar dos soluços. Mistérios do divino.
A maior dor pra mim, no entanto, foi quando sua neta e seu afilhado viram o caixão
descer para o fundo da terra. Acho que só ali perceberam do que se tratava a morte.
Seus choros, os mais altos naquele momento, me fizeram desabar.
No dia que minha amiga morreu, eu pude entender um pouco mais do conceito
de resistência ou re-existência, em que, talvez, o “não-ter” muito (em excesso, sobrando)
gera a formação de uma rede humana em que se pode “contar com” nos momentos difíceis,
numa rede de conexões muito maior que as aparências.
Que lindo! Viva a Marli e sua força!
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